Quem acompanha a arte contemporânea já deve ter esbarrado no trabalho do pintor e fotógrafo norte-americano Richard Prince.
A polêmica de sua obra e sua narrativa ideológica versam sobre subverter regras. Enquanto arte, entendo ser necessária essa dose de transgressão. Enquanto direito alheio, me posiciono que estes devem ser respeitados.
No entanto, não me aprofundarei neste dilema. Este artigo tem o escopo de mostrar que Prince realmente feriu “direitos de imagem” e “direitos autorais” ao copiar fotos da rede social “Instragram”, expor tais fotografias, e, o pior: vender em galerias de arte por preço médio de US$ 90 mil.
A matéria jornalística, no entanto, precisa ser corrigida tecnicamente quando menciona “roubo”.
É válido alertar que não se fala em roubo/furto de fotos ou imagens, quando tratamos de uso indevido de obra protegida (pela Lei de Direitos Autorais n. 9.610/98), estamos tratando de ilícito civil. Isto é, ato que é passível de indenização. Mas que não é crime, pois o Código Penal ou lei especial não os tipificam como tal.
O que ocorreu foi que Prince feriu dois “direitos” constitucionais: imagem e propriedade intelectual.
No primeiro caso porque usou a imagem de pessoas sem autorização (ato ilícito previsto na legislação brasileira no artigo 20 do Código Civil) e ainda explorou economicamente tais imagens na renomada Gagosian Gallery de Nova Iorque. Ou seja: usou sem autorização e deu fins comerciais a elas.
E segundo porque feriu a Lei de Direitos Autorais (LDA), ao utilizar sem a devida permissão obra de algum fotógrafo, além de não mencionar o nome de cada autor (créditos), e colocá-las a venda.
Ora, Richard Prince, conseguiu transgredir mesmo… mas transgredir a lei. Em tudo o que seria possível: usar obra alheia sem autorização, não dar os créditos e ter fins comerciais nas respectivas fotografias.
Atos estes que ferem o Código Civil e a LDA de forma a se tornar passível em uma ação civil de indenização.
Vale lembrar que o ordenamento jurídico pátrio é muito diferente do anglo-saxônico; mas no que tange à proteção da pessoa e obra intelectual, as leis nos diversos países hoje em dia estão num patamar de igualdade. Então este artigo está fazendo uma analogia de um fato ocorrido nos EUA com a nossa legislação.
“Segundo o Tech Radar, Richard Prince já foi processado no passado por apropriação indevida de trabalhos existentes, mas acabou por vencer os casos”. É o que mencionou a matéria do site Exame Informática.
No Brasil ainda não há precedente parecido, e, se houvesse um fato semelhante ao narrado, a jurisprudência (casos práticos já julgados) e a doutrina (livros de direito) alem da lei, é claro, iriam decidir contra o pseudo-artista, e a favor das pessoas fotografadas e seus respectivos fotógrafos.
No entanto, o que me assustou não fora o fato de Prince tentar quebrar paradigmas e provocar direitos e indivíduos. Ele, com artista, até concordo que esteja no “papel” dele de indagar e contestar dogmas sociais. Muito corajoso da parte dele. Porém sabemos que depois de toda ação vem uma reação, ou seja, agüente as conseqüências.
Sempre me manifesto no sentido de defender a Arte e ao mesmo tempo defender o Direito. Mas também me posiciono em dizer que a Arte não está e nem pode estar acima do Direito.
Mesmo porque, este é posto, norteador de uma sociedade. E a Arte e seu conceito é muito abstrato, quase impossível de conceituá-la.
Já houve decisão na corte norte-americana em caso análogo ao comentado aqui, que decidiu que a Arte devia ser privilegiada em detrimento de direito de imagem. E tal sentença gera uma dúvida e insegurança para o futuro, já que decidir que algo é “arte” ou não e colocar uma obra de uma pessoa fotografada como legal, acima dos direitos constitucionais desse indivíduo é abalar toda estrutura de direitos humanos consolidados, até mesmo, em tratados internacionais.
Ora, no modernismo o conceito de arte era um, no classicismo, outro. E em todos os “ismos”, que variam no tempo e no espaço, tal definição será diferente em decorrência com o contexto historio em que vive-se.
E, na arte contemporânea o significado de “arte” é mais subjetivo ainda. Mas isto nos levaria para outra história… Vamos nos ater ao aspecto jurídico.
O que me assustou mesmo é o fato de a Gagosian Gallery apoiar uma exposição deste naipe. Ou querem chocar, ou estão jogando os direitos civis no lixo. Ou os dois…
Entendo que o Direito define os limites da Arte. Assim como define os limites para tudo numa sociedade.
Concluindo: Sim, a lei varia no tempo e no espaço. E é mutável tão logo seja revogada. A arte pode transgredir a mudança da lei, mas não a lei. Sempre sou legalista neste ponto, ou seja, se algo fere a lei atual, ela deve ser aplicada. Ela é absoluta enquanto vigente, mas relativa nas próximas alterações. Amanhã ou depois o Código Civil e a LDA sejam modificadas, meus argumentos defendendo fotógrafo e fotografados cairão por terra e terei que ma adaptar à nova realidade. Mas enquanto isso, sou a favor de que os direitos violados sejam reparados.
Coloquemo-nos na situação de vítima, ou seja, nosso trabalho fotográfico ou nossa imagem sendo comercializada sem que tenhamos direito a nada. Violência? Sim, mais do que se apropriar de uma bem material, é se apropriar de algo inerente ao nosso ser: criação e imagem.
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