The Neighbors é o nome da exposição que motivou a polêmica. Arne Svenson, fotógrafo nova-iorquino de 61 anos, fotografou e exibiu numa galeria uma série de imagens captadas ao dia-a-dia de seus vizinhos sem pedir autorização. O caso chegou ao Tribunal, que deu razão ao fotógrafo assumindo que a arte não exige qualquer consentimento para ser feita ou vendida. A polêmica está agora acesa: quais os limites da arte no que toca à privacidade?
As imagens foram captadas em Tribeca, um bairro em Nova Iorque. Usando uma lente especial de 500mm, Arne Svenson entrou na vida de seus vizinhos, a fotografou e a exibiu em uma galeria de arte nas redondezas. Nas imagens, o fotógrafo teve o cuidado de não expor as caras das pessoas e manter o seu anonimato, expondo contudo as suas atividades privadas. Dois dos vizinhos acabaram apresentando queixa, e o Tribunal vem agora dar razão a Svenson, alegando a liberdade de expressão da Primeira Emenda.
Em comentários feitos ao The Guardian, Svenson assume que o veredicto foi “uma grande vitória pelos direitos dos artistas”. Svenson não assume que tenha feito algo de errado quando na sua perspectiva apenas está captando “nuanças da existência humana”.
Este caso em questão é bem interessante. Porém, o Direito Norte-Americano em quase nada se compara com o Direito brasileiro. Não faremos neste momento uma comparação entre ambos ordenamentos jurídicos, no entanto, trataremos o caso real e ilustrativo, como se tivesse ocorrido em nosso país.
A Constituição Federal prevê “princípios sensíveis”, ou seja, são os princípios que não podem ser alterados nem com Emenda Constitucional. E o artigo 5o. da Carta Magna prevê proteções sobre a imagem da pessoa humana. Mas também prevê no mesmo artigo, proteções ao direito de autor.
Isto é, em tese ambos princípios (intimidade e autor) estão no mesmo patamar de igualdade, e nenhum se sobressai ao outro. Ao menos que haja um caso concreto (real) e aí quem irá decidir qual princípio merecerá maior proteção será o juiz do caso. Que avaliará todas as circunstâncias da discussão entre fotografado e fotógrafo, através de conjunto probatório, doutrina (livros de Direito) e jurisprudência (julgados reais que têm semelhança com o caso analisado).
No caso do fotógrafo norte americano, caso ocorresse aqui tal situação, ter-se-ia que analisar alguns critérios para ver, realmente, se violou ou não o direito à privacidade / intimidade das pessoas fotografadas.
A Lei n. 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), que todo Fotógrafo conhece, ou deveria conhecer, protege o Autor e sua Obra, neste caso, a Fotografia.
Já o Código Civil brasileiro, em seu art. 21 e seguintes, protege a vida privada, vejamos o texto legal:
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Novamente, há conflito de princípios ou de direitos, num grau inferior ao Constitucional. Porém, novamente, no patamar das Leis, a “autoria” e a imagem, em tese, estão em conflito.
Entretanto, trazendo para o caso em tela, apesar de ser fotógrafo e defensor ferrenho da classe, discordo veementemente do magistrado norte-americano. Ou seja, com os argumentos abaixo, que são os critérios adotados no Brasil, o fotógrafo perderia a ação por violar a intimidade de seus “modelos”, vejamos:
Fere-se a intimidade / privacidade quando:
1- a imagem não for de interesse público
2- a pessoa fotografada não for “pessoa pública” (= servidor público) no exercício de suas funções
3- a pessoa fotografada não tiver ciência do ato fotográfico
4- a pessoa fotografada não consentir que seja fotografada
5- a fotografia não tiver cunho jornalístico
Os fotografados que ingressaram com a ação sentiram-se violados em sua intimidade, e com razão, pois estavam no aconchego de seus lares, muitas vezes à vontade, praticando atos que só o fariam entre quatro paredes e, que sem a utilização de um recurso tecnológico (teleobjetiva) o ser humano não teria o enquadramento fechado, como os das fotos analisadas. Além de preencher os requisitos acima, a doutrina e jurisprudência brasileiras, maciçamente, rechaça qualquer uso tecnológico que venha a ferir a intimidade de alguém. E mais, a imagem de uma pessoa humana não se faz somente com o rosto. Mas sim com qualquer sinal característico, por exemplo: tatuagem, pintas, voz, etc. Basta que o fotografado se reconheça numa fotografia para começar a valer seus direitos, pois o que se protege é o sujeito e a subjetividade contida nele.
Portanto, concluindo, reputo equivocada a decisão da justiça estadounidense quando favoreceu o fotógrafo em detrimento da intimidade de terceiro. A arte e qualquer outro segmento estão limitados ao direito de outrem. Tal argumento utilizado é muito bonito, mas totalmente ilegal. E para coroar os argumentos acima, tais imagens foram vendidas. Como teve fim comercial, é imprescindível que o fotografado tenha autorizado tal negociação.
Infelizmente, nos tempos atuais, a cada dia perde-se a individualidade. E a imagem de um indivíduo, um dos bens mais preciosos, acaba sendo banalizada. O que ocorreu com o caso analisado.
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